terça-feira, 11 de dezembro de 2012

DE DIAULO MEDICO (Epig. I, 31)

Gostaria de fazer uma singela análise de um epigrama do escritor latino Marcial, que viveu no primeiro século de nossa era em Roma. Marcial escreveu mais de um milhar de epigramas tratando dos mais diversos assuntos. Muitos de seus epigramas são verdadeira riqueza de cultura e de estilo. 

Vejamos um pouco de seu gênio no epigrama seguinte, intitulado De Diaulo medico (Sobre Diaulo, o médico): 

Chirurgus fuerat, nunc est vespillo Diaulus.
Coepit, quo poterat, clinicus esse modo.

Diaulo fora cirurgião, agora é coveiro,
começou a ser clínico como podia.

Observem a bagagem cultural que se deve ter para bem compreender estas duas linhas. 

A palavra clínico (em latim clinicus) vem do grego κλινη (lê-se kliné), que significa cama, leito, maca entre outras coisas. Os medici clinici, ou seja, os médicos clínicos, da Roma antiga eram justamente aqueles que atendiam seus pacientes junto ao leito destes. Os médicos na antiguidade dividiam-se em duas especialidades básicas: os clínicos, citados acima, e os cirurgiões, responsáveis pelas amputações. Marcial dá a entender que Diaulo, exercendo a profissão de médico como cirurgião, sonhava em ser clínico. Contudo, por alguma razão (acaso ou incompetência profissional) acabou por se tornar coveiro, profissão bem menos considerada. Ora, o coveiro (vespillo, em latim) era justamente o que carregava os cadáveres em uma kliné, em uma maca. Considerando como clínico aquele que trabalha junto a um leito, então o coveiro é um tipo de clínico, portanto Diaulo não deveria estar tão frustrado assim, dado que, de certo modo, conseguiu realizar seu grande objetivo. Convenhamos que nosso Marcial era um pouquinho ácido em seus deboches...

Uma pequena amostra da riqueza que a literatura latina pode conter.

As abordagens possíveis no estudo de idiomas

O aprendizado de idiomas abrange duas abordagens: a ativa e a passiva. 

Chamamos de abordagem ativa o trabalho que se faz com um estudante de idiomas para que este utilize a língua que está estudando tanto na modalidade escrita quanto na falada. Desta feita, utilizar ativamente um idioma significa ser capaz de expressar-se naquela língua de modo oral e escrito.

A abordagem passiva consiste em fazer com que o aluno consiga compreender uma determinada língua quando esta se lhe apresenta de algum modo, seja em forma de texto seja quando alguém lhe dirige a palavra. Neste caso o aluno não precisa produzir nada, basta que ele seja capaz de entender aquilo que lhe é exposto para que esteja fazendo uso desta abordagem dita "passiva". 

O que se vê em cursos por aí, muitas vezes, é a supervalorização de apenas uma dessas abordagens, mormente a ativa na expressão oral, embora haja sistemas de ensino que enfatizem o aspecto passivo em detrimento do ativo. Ou o aluno fala muito, escreve menos e quase não lê ou então lê muito, mas não fala praticamente nada. 

Acontece que um aluno preparado sob a ótica de apenas um destes aspectos será linguisticamente "manco", pois faltar-lhe-á uma das partes indispensáveis para uma formação linguística completa, daí a importância de se buscar um equilíbrio entre as abordagens passiva e ativa, sendo que aquela deve servir de fundamento para esta, e não o contrário.  

A própria experiência demonstra que a o uso ativo da língua é mais complicado que o uso passivo e aquele será tanto mais correto quanto este for mais preciso, isto é, quando um aluno torna-se capaz de compreender com clareza texto ou fala em língua estrangeira, ele assenta bases extremamente sólidas para que paulatinamente comece a usar a língua que está estudando de modo independente e correto. 

O ler, o falar, o ouvir e o escrever devem ser trabalhados harmonicamente com os alunos, para que estes tenham uma formação verdadeiramente completa.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Uma história da palavra

O que seria, afinal, a palavra? A palavra é nada mais do que o elemento mínimo da linguagem, são como que as partes que formam o todo do nosso pensamento. Podemos entender por palavra um único som, uma combinação de sons ou mesmo a representação gráfica desses sons. Mas de onde surgiu a palavra "palavra"?

Para compreendermos isso temos que fazer uma pequena análise de fonética histórica. Dentro da fonética histórica existe um tópico chamado metaplasmo (termo de origem grega que significa transformação) que estuda as transformações ocorridas com as palavras ao longo do tempo sem que aquelas acarretem mudanças de sentido nestas. 

Há diversos tipos de metaplasmos, sendo a hipértese (translação) um deles. E no que consiste a hipértese? Bem, a hipértese ocorre quando o som de uma sílaba deixa de ser pronunciado na sua sílaba de origem e passa a ser pronunciado em outra sílaba, esta última sílaba, por sua vez, cede seu som para a outra sílaba. Percebemos, pois, que ocorre uma espécie de "troca de sons" entre sílabas distintas.

Foi o que aconteceu com o vocábulo grego parábola. Este é composto de duas partes: para e bola, ambas de origem grega. A primeira parte, para, significa algo como ao lado de, ao passo que a segunda parte, bola, significa lançado, jogado, arremessado. Uma parábola é, portanto, uma história que é, por assim dizer, "arremessada" ao lado da realidade com a finalidade de tornar alguns princípios mais compreensíveis. 

Com o passar do tempo as pessoas passaram a pronunciar parábola com sons trocados, algo do tipo: paLaboRa. A letra "o" (pronuncia-se ó) deixou de ser pronunciada e aí nasceu palabra. A língua espanhola parou por aqui e é assim que se diz "palavra" em espanhol. Contudo a língua portuguesa, de origem mais recente, acabou por avançar mais uma transformação ao trocar a bilabial "b" pela labiodental "v" e eis que temos nossa "palavra". 

Deste modo, podemos perceber o porquê de haver certa analogia de sentido entre palavra e parábola. Ambas simbolizam uma representação da realidade e é justamente isso que está por trás da própria concepção de uma palavra. A palavra é um símbolo que representa algo. Por exemplo, a palavra "elefante" (seja apenas pronunciada, seja escrita) não é o elefante, mas uma representação, um símbolo que substitui a coisa em si. Notemos ainda que a palavra "parábola" não desapareceu, mas passou a ser aplicada em outro sentido e o português, bem como outras línguas, ganhou em precisão de linguagem.